A seleção venceu a Taça das Nações, mas a outra vitória vive-se diariamente nos clubes.
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Foto: Marília Alves |
Quando no passado domingo a seleção portuguesa de hóquei em patins conquistou a Taça das Nações, corações de todas as gerações bateram mais forte. Desporto de feitos e memórias para uma geração mais antiga, exerce agora uma nova atração sobre os mais jovens, que o procuram cada vez mais como atividade extracurricular.
Em Portugal existem atualmente 117 clubes de hóquei em patins inscritos na Federação Portuguesa de Patinagem. Destes, 97, a grande maioria, tem a vertente de formação, o que se traduz em 5500 crianças em competição todos os fins de semana pelos quatro cantos do País. Augura-se um futuro auspicioso para a modalidade em que Portugal sempre foi uma potência e para a qual escreveu já muitas páginas de glória.
Portugal é, aliás, o "único país do Mundo" onde se pratica hóquei em patins de norte a sul, ao contrário de outras potências.
"Em Espanha está concentrado na Catalunha, em Itália joga-se apenas no Norte e na Argentina é na cidade de San Juan", faz questão de frisar Paulo Nunes, treinador e coordenador desportivo do Atlético Clube do Tojal (A.C. Tojal), em Loures, que só em 2000 abriu a secção de hóquei e desde então não tem tido mãos a medir para acolher miúdos e miúdas (as equipas e os treinos são mistos) que querem treinar de patins e stick na mão e, quiçá, alcançar os feitos dos míticos Chana, Ramalhete, Rendeiro, Sobrinho e Livramento, a ‘equipa maravilha da modalidade, que em 1977 conquistou quase tudo o que havia para conquistar.
Desde essa época, muita coisa mudou e o hóquei passou por muitos altos e baixos de popularidade, apesar da seleção das quinas continuar a ser a equipa mais vitoriosa do Mundo, com 15 títulos mundiais masculinos, 20 títulos europeus masculinos, 18 Taça das Nações, 10 Taças Latinas, 17 títulos europeus de juniores e 11 títulos europeus de juvenis.
POPULARIDADE
Mas Luís Sénica, o atual selecionador nacional, não tem dúvidas de que o hóquei em Portugal está em alta: "Estão a aparecer cada vez mais miúdos a querer jogar. São vários os indicadores que nos comprovam isso e não só o trabalho diário nos clubes: o crescimento do mini hóquei, a dinâmica da formação, a procura de cursos de treinadores, o mediatismo na comunicação social". As razões? São óbvias: "As suas características intrínsecas de velocidade e jogo e a espetacularidade!", acrescenta o campeão e ex-jogador do Sport Lisboa e Benfica.
Mas treinar miúdos tem muito que se lhe diga e vai além da vocação desportiva. Acima de tudo, os treinadores são "formadores de homens", como gosta de frisar Paulo Nunes, treinador e coordenador desportivo do A.C. Tojal.
Desde 2000, ano em que "abriu as portas ao hóquei num recinto ainda ao ar livre e sem as mínimas condições", mas soma agora 60 pupilos e alguns títulos, muito graças ao facto de angariar miúdos nas escolas através das AEC (atividades extracurriculares) e de conseguir emprestar uma boa parte do equipamento aos que se iniciam, permitindo-lhes experimentar e praticar a modalidade sem obrigar os pais a entrarem em grandes despesas. Até porque a conta não é barata: um equipamento de jogador anda pelos 200 euros e o de guarda-redes pelos 400, que o clube, com alguns patrocínios, lá vai conseguindo arranjar.
António Santos é também treinador do clube do Tojal desde 2007. Antes, por incrível que pareça, nem sequer sabia patinar. Antes, era ‘apenas’ um pai vestido de orgulho na bancada, até ao dia em que o então treinador o desafiou a tirar o curso na federação, pois precisava de ajuda com os mais pequenos. Agora é parte da espinha dorsal do clube onde todos dão o litro por pura carolice. "Venho treinar os miúdos às segundas, terças, quintas, sextas e sábados. Aos domingos ainda há os jogos. O que me vale é que a minha mulher também gosta muito de hóquei, acompanha-me nos jogos e acaba por ser algo que partilhamos", confessa.
Voz de comando e muita paciência são os ingredientes essenciais quando se lida com miúdos, explica o treinador de Loures. Paulo Nunes admite que a modalidade tem feito maravilhas a crianças a quem foi diagnosticada hiperatividade. "Porque eles aqui são mesmo obrigados a focar-se em campo e gastam muitas energias. O comportamento deles melhora de uma forma geral."
BOM EXEMPLO
Talvez por isso, quem não tiver boas notas não entra no rinque de Jaime Santos, ex-glória do Belenenses Paço d’Arcos, e agora ao serviço das seleções da Associação Desportiva de Oeiras (A.D. Oeiras).
No final de cada período, os seus formandos têm de lhe levar o papel das notas. Os que se "saíram bem são aplaudidos em campo", os que que saíram mal são incentivados pela própria natureza do jogo a dar o seu melhor. A cobiçada braçadeira de capitão roda apenas por aqueles que brilham tanto dentro como fora do jogo.
Mas, às vezes, quem se porta pior são os pais: "Já perdi bons jogadores por causa dos pais. Ou trazem-me os miúdos constantemente atrasados ou dão maus exemplos na bancada, de desrespeito para com o árbitro ou para com o adversário, e isso não admito. Não compreendem que é uma falta de respeito para com os próprios filhos." Motivar o espírito e o trabalho de equipa, a união, desvalorizar tanto as derrotas como as vitórias e cultivar a entreajuda são as suas máximas. Às vezes há lágrimas, "mas não por perderem. É por jogarem". Por isso, a federação criou um regulamento pedagógico que obriga os treinadores a rodarem todos os jogadores nos dois primeiros períodos do jogo.
PAIS EM CAMPO
Talvez por isso, o ambiente nos balneários é de um saudável e barulhento frenesim, onde as vozes são abafadas pelo atrito dos rolamentos no chão. Há pais, mães e irmãos mais novos de fraldas mas já de olhos ávidos nos patins, à espera do seu tempo. Ali ninguém espera a fama nem a fortuna dos craques do futebol. Liliana Durães, mãe do Rodrigo, de 8 anos, quis um desporto "mais completo". Sandro Camacho, pai de Guilherme, de cinco anos, quis incutir "o espírito de equipa e do coletivo". Jorge Ricardo, pai de Gonçalo, de 7 anos, congratula-se ao ver que o filho cresceu "em maturidade e responsabilidade desde que joga hóquei".
David Costa, que em pequeno só jogou futebol e basquetebol, surpreende-se por ter em Martim, de oito anos, a promessa de "um futuro campeão", segundo quem o treina. E Miguel Matias, neto de Jaime Santos, viu no hóquei algo mais para "partilhar com o avô".
"As pessoas esquecem-se de que nem todos os miúdos gostam de futebol. E o que poderá ser melhor que o hóquei, que une a patinagem – coisa que em geral todos os miúdos gostam – a uma bola e um stick?", nota Jaime. Apetece acrescentar que nem todos sonham afinal com contas bancárias do tamanho da de Cristiano Ronaldo. E louvar os pais que se levantam de madrugada aos domingos para transportar, apoiar e aplaudir, e que para os filhos querem apenas que sejam "campeões da vida".
Por Vanessa Fidalgo in Correio da Manhã